CAPÍTULOS

 
1 a 10 11 a 20 21 a 31 32 a 42


Capitulo 1
1  Havia um homem na terra de Uz, cujo nome era Jó; e era este homem íntegro, reto e temente a Deus e desviava-se do mal.
2  E nasceram-lhe sete filhos e três filhas.
3  E o seu gado era de sete mil ovelhas, três mil camelos, quinhentas juntas de bois e quinhentas jumentas; eram também muitíssimos os servos a seu serviço, de maneira que este homem era maior do que todos os do oriente.
4  E iam seus filhos à casa uns dos outros e faziam banquetes cada um por sua vez; e mandavam convidar as suas três irmäs a comerem e beberem com eles.
5  Sucedia, pois, que, decorrido o turno de dias de seus banquetes, enviava Jó, e os santificava, e se levantava de madrugada, e oferecia holocaustos segundo o número de todos eles; porque dizia Jó: Talvez pecaram meus filhos, e amaldiçoaram a Deus no seu coraçäo. Assim fazia Jó continuamente.
6  E num dia em que os filhos de Deus vieram apresentar-se perante o SENHOR, veio também Satanás entre eles.
7  Entäo o SENHOR disse a Satanás: Donde vens? E Satanás respondeu ao SENHOR, e disse: De rodear a terra, e passear por ela.
8  E disse o SENHOR a Satanás: Observaste tu a meu servo Jó? Porque ninguém há na terra semelhante a ele, homem íntegro e reto, temente a Deus, e que se desvia do mal.
9  Entäo respondeu Satanás ao SENHOR, e disse: Porventura teme Jó a Deus debalde?
10  Porventura tu näo cercaste de sebe, a ele, e a sua casa, e a tudo quanto tem? A obra de suas mäos abençoaste e o seu gado se tem aumentado na terra.
11  Mas estende a tua mäo, e toca-lhe em tudo quanto tem, e verás se näo blasfema contra ti na tua face.
12  E disse o SENHOR a Satanás: Eis que tudo quanto ele tem está na tua mäo; somente contra ele näo estendas a tua mäo. E Satanás saiu da presença do SENHOR.
13  E sucedeu um dia, em que seus filhos e suas filhas comiam, e bebiam vinho, na casa de seu irmäo primogênito,
14  Que veio um mensageiro a Jó, e lhe disse: Os bois lavravam, e as jumentas pastavam junto a eles;
15  E deram sobre eles os sabeus, e os tomaram, e aos servos feriram ao fio da espada; e só eu escapei para trazer-te a nova.
16  Estando este ainda falando, veio outro e disse: Fogo de Deus caiu do céu, e queimou as ovelhas e os servos, e os consumiu, e só eu escapei para trazer-te a nova.
17  Estando ainda este falando, veio outro, e disse: Ordenando os caldeus três tropas, deram sobre os camelos, e os tomaram, e aos servos feriram ao fio da espada; e só eu escapei para trazer-te a nova.
18  Estando ainda este falando, veio outro, e disse: Estando teus filhos e tuas filhas comendo e bebendo vinho, em casa de seu irmäo primogênito,
19  Eis que um grande vento sobreveio dalém do deserto, e deu nos quatro cantos da casa, que caiu sobre os jovens, e morreram; e só eu escapei para trazer-te a nova.
20  Entäo Jó se levantou, e rasgou o seu manto, e rapou a sua cabeça, e se lançou em terra, e adorou.
21  E disse: Nu saí do ventre de minha mäe e nu tornarei para lá; o SENHOR o deu, e o SENHOR o tomou: bendito seja o nome do SENHOR.
22  Em tudo isto Jó näo pecou, nem atribuiu a Deus falta alguma.


Capitulo 2
1  E, vindo outro dia, em que os filhos de Deus vieram apresentar-se perante o SENHOR, veio também Satanás entre eles, apresentar-se perante o SENHOR.
2  Entäo o SENHOR disse a Satanás: Donde vens? E respondeu Satanás ao SENHOR, e disse: De rodear a terra, e passear por ela.
3  E disse o SENHOR a Satanás: Observaste o meu servo Jó? Porque ninguém há na terra semelhante a ele, homem íntegro e reto, temente a Deus e que se desvia do mal, e que ainda retém a sua sinceridade, havendo-me tu incitado contra ele, para o consumir sem causa.
4  Entäo Satanás respondeu ao SENHOR, e disse: Pele por pele, e tudo quanto o homem tem dará pela sua vida.
5  Porém estende a tua mäo, e toca-lhe nos ossos, e na carne, e verás se näo blasfema contra ti na tua face!
6  E disse o SENHOR a Satanás: Eis que ele está na tua mäo; porém guarda a sua vida.
7  Entäo saiu Satanás da presença do SENHOR, e feriu a Jó de úlceras malignas, desde a planta do pé até ao alto da cabeça.
8  E Jó tomou um caco para se raspar com ele; e estava assentado no meio da cinza.
9  Entäo sua mulher lhe disse: Ainda reténs a tua sinceridade? Amaldiçoa a Deus, e morre.
10  Porém ele lhe disse: Como fala qualquer doida, falas tu; receberemos o bem de Deus, e näo receberíamos o mal? Em tudo isto näo pecou Jó com os seus lábios.
11  Ouvindo, pois, três amigos de Jó todo este mal que tinha vindo sobre ele, vieram cada um do seu lugar: Elifaz o temanita, e Bildade o suíta, e Zofar o naamatita; e combinaram condoer-se dele, para o consolarem.
12  E, levantando de longe os seus olhos, näo o conheceram; e levantaram a sua voz e choraram, e rasgaram cada um o seu manto, e sobre as suas cabeças lançaram pó ao ar.
13  E assentaram-se com ele na terra, sete dias e sete noites; e nenhum lhe dizia palavra alguma, porque viam que a dor era muito grande.


Capitulo 3
1  Depois disto abriu Jó a sua boca, e amaldiçoou o seu dia.
2  E Jó, falando, disse:
3  Pereça o dia em que nasci, e a noite em que se disse: Foi concebido um homem!
4  Converta-se aquele dia em trevas; e Deus, lá de cima, näo tenha cuidado dele, nem resplandeça sobre ele a luz.
5  Contaminem-no as trevas e a sombra da morte; habitem sobre ele nuvens; a escuridäo do dia o espante!
6  Quanto àquela noite, dela se apodere a escuridäo; e näo se regozije ela entre os dias do ano; e näo entre no número dos meses!
7  Ah! que solitária seja aquela noite, e nela näo entre voz de júbilo!
8  Amaldiçoem-na aqueles que amaldiçoam o dia, que estäo prontos para suscitar o seu pranto.
9  Escureçam-se as estrelas do seu crepúsculo; que espere a luz, e näo venha; e näo veja as pálpebras da alva;
10  Porque näo fechou as portas do ventre; nem escondeu dos meus olhos a canseira.
11  Por que näo morri eu desde a madre? E em saindo do ventre, näo expirei?
12  Por que me receberam os joelhos? E por que os peitos, para que mamasse?
13  Porque já agora jazeria e repousaria; dormiria, e entäo haveria repouso para mim.
14  Com os reis e conselheiros da terra, que para si edificam casas nos lugares assolados,
15  Ou com os príncipes que possuem ouro, que enchem as suas casas de prata,
16  Ou como aborto oculto, näo existiria; como as crianças que näo viram a luz.
17  Ali os maus cessam de perturbar; e ali repousam os cansados.
18  Ali os presos juntamente repousam, e näo ouvem a voz do exator.
19  Ali está o pequeno e o grande, e o servo livre de seu senhor.
20  Por que se dá luz ao miserável, e vida aos amargurados de ánimo?
21  Que esperam a morte, e ela näo vem; e cavam em procura dela mais do que de tesouros ocultos;
22  Que de alegria saltam, e exultam, achando a sepultura?
23  Por que se dá luz ao homem, cujo caminho é oculto, e a quem Deus o encobriu?
24  Porque antes do meu päo vem o meu suspiro; e os meus gemidos se derramam como água.
25  Porque aquilo que temia me sobreveio; e o que receava me aconteceu.
26  Nunca estive tranqüilo, nem sosseguei, nem repousei, mas veio sobre mim a perturbaçäo.


Capitulo 4
1  Entäo respondeu Elifaz o temanita, e disse:
2  Se intentarmos falar-te, enfadar-te-ás? Mas quem poderia conter as palavras?
3  Eis que ensinaste a muitos, e tens fortalecido as mäos fracas.
4  As tuas palavras firmaram os que tropeçavam e os joelhos desfalecentes tens fortalecido.
5  Mas agora, que se trata de ti, te enfadas; e tocando-te a ti, te perturbas.
6  Porventura näo é o teu temor de Deus a tua confiança, e a tua esperança a integridade dos teus caminhos?
7  Lembra-te agora qual é o inocente que jamais pereceu? E onde foram os sinceros destruídos?
8  Segundo eu tenho visto, os que lavram iniqüidade, e semeiam mal, segam o mesmo.
9  Com o hálito de Deus perecem; e com o sopro da sua ira se consomem.
10  O rugido do leäo, e a voz do leäo feroz, e os dentes dos leöezinhos se quebram.
11  Perece o leäo velho, porque näo tem presa; e os filhos da leoa andam dispersos.
12  Uma coisa me foi trazida em segredo; e os meus ouvidos perceberam um sussurro dela.
13  Entre pensamentos vindos de visöes da noite, quando cai sobre os homens o sono profundo,
14  Sobrevieram-me o espanto e o tremor, e todos os meus ossos estremeceram.
15  Entäo um espírito passou por diante de mim; fez-me arrepiar os cabelos da minha carne.
16  Parou ele, porém näo conheci a sua feiçäo; um vulto estava diante dos meus olhos; houve silêncio, e ouvi uma voz que dizia:
17  Seria porventura o homem mais justo do que Deus? Seria porventura o homem mais puro do que o seu Criador?
18  Eis que ele näo confia nos seus servos e aos seus anjos atribui loucura;
19  Quanto menos àqueles que habitam em casas de lodo, cujo fundamento está no pó, e säo esmagados como a traça!
20  Desde a manhä até à tarde säo despedaçados; e eternamente perecem sem que disso se faça caso.
21  Porventura näo passa com eles a sua excelência? Morrem, mas sem sabedoria.


Capitulo 5
1  Chama agora; há alguém que te responda? E para qual dos santos te virarás?
2  Porque a ira destrói o louco; e o zelo mata o tolo.
3  Bem vi eu o louco lançar raízes; porém logo amaldiçoei a sua habitaçäo.
4  Seus filhos estäo longe da salvaçäo; e säo despedaçados às portas, e näo há quem os livre.
5  A sua messe, o faminto a devora, e até dentre os espinhos a tira; e o salteador traga a sua fazenda.
6  Porque do pó näo procede a afliçäo, nem da terra brota o trabalho.
7  Mas o homem nasce para a tribulaçäo, como as faíscas se levantam para voar.
8  Porém eu buscaria a Deus; e a ele entregaria a minha causa.
9  Ele faz coisas grandes e inescrutáveis, e maravilhas sem número.
10  Ele dá a chuva sobre a terra, e envia águas sobre os campos.
11  Para pór aos abatidos num lugar alto; e para que os enlutados se exaltem na salvaçäo.
12  Ele aniquila as imaginaçöes dos astutos, para que as suas mäos näo possam levar coisa alguma a efeito.
13  Ele apanha os sábios na sua própria astúcia; e o conselho dos perversos se precipita.
14  Eles de dia encontram as trevas; e ao meio dia andam às apalpadelas como de noite.
15  Porém ao necessitado livra da espada, e da boca deles, e da mäo do forte.
16  Assim há esperança para o pobre; e a iniqüidade tapa a sua boca.
17  Eis que bem-aventurado é o homem a quem Deus repreende; näo desprezes, pois, a correçäo do Todo-Poderoso.
18  Porque ele faz a chaga, e ele mesmo a liga; ele fere, e as suas mäos curam.
19  Em seis angústias te livrará; e na sétima o mal näo te tocará.
20  Na fome te livrará da morte; e na guerra, da violência da espada.
21  Do açoite da língua estarás encoberto; e näo temerás a assolaçäo, quando vier.
22  Da assolaçäo e da fome te rirás, e os animais da terra näo temerás.
23  Porque até com as pedras do campo terás o teu acordo, e as feras do campo seräo pacíficas contigo.
24  E saberás que a tua tenda está em paz; e visitarás a tua habitaçäo, e näo pecarás.
25  Também saberás que se multiplicará a tua descendência e a tua posteridade como a erva da terra,
26  Na velhice irás à sepultura, como se recolhe o feixe de trigo a seu tempo.
27  Eis que isto já o havemos inquirido, e assim é; ouve-o, e medita nisso para teu bem.


Capitulo 6
1  Entäo Jó respondeu, dizendo:
2  Oh! se a minha mágoa retamente se pesasse, e a minha miséria juntamente se pusesse numa balança!
3  Porque, na verdade, mais pesada seria, do que a areia dos mares; por isso é que as minhas palavras têm sido engolidas.
4  Porque as flechas do Todo-Poderoso estäo em mim, cujo ardente veneno suga o meu espírito; os terrores de Deus se armam contra mim.
5  Porventura zurrará o jumento montês junto à relva? Ou mugirá o boi junto ao seu pasto?
6  Ou comer-se-á sem sal o que é insípido? Ou haverá gosto na clara do ovo?
7  A minha alma recusa tocá-las, pois säo para mim como comida repugnante.
8  Quem dera que se cumprisse o meu desejo, e que Deus me desse o que espero!
9  E que Deus quisesse quebrantar-me, e soltasse a sua mäo, e me acabasse!
10  Isto ainda seria a minha consolaçäo, e me refrigeraria no meu tormento, näo me poupando ele; porque näo ocultei as palavras do Santo.
11  Qual é a minha força, para que eu espere? Ou qual é o meu fim, para que tenha ainda paciência?
12  E porventura a minha força a força da pedra? Ou é de cobre a minha carne?
13  Está em mim a minha ajuda? Ou desamparou-me a verdadeira sabedoria?
14  Ao que está aflito devia o amigo mostrar compaixäo, ainda ao que deixasse o temor do Todo-Poderoso.
15  Meus irmäos aleivosamente me trataram, como um ribeiro, como a torrente dos ribeiros que passam,
16  Que estäo encobertos com a geada, e neles se esconde a neve,
17  No tempo em que se derretem com o calor, se desfazem, e em se aquentando, desaparecem do seu lugar.
18  Desviam-se as veredas dos seus caminhos; sobem ao vácuo, e perecem.
19  Os caminhantes de Tema os vêem; os passageiros de Sabá esperam por eles.
20  Ficam envergonhados, por terem confiado e, chegando ali, se confundem.
21  Agora sois semelhantes a eles; vistes o terror, e temestes.
22  Acaso disse eu: Dai-me ou oferecei-me presentes de vossos bens?
23  Ou livrai-me das mäos do opressor? Ou redimi-me das mäos dos tiranos?
24  Ensinai-me, e eu me calarei; e fazei-me entender em que errei.
25  Oh! quäo fortes säo as palavras da boa razäo! Mas que é o que censura a vossa argüiçäo?
26  Porventura buscareis palavras para me repreenderdes, visto que as razöes do desesperado säo como vento?
27  Mas antes lançais sortes sobre o órfäo; e cavais uma cova para o amigo.
28  Agora, pois, se sois servidos, olhai para mim; e vede se minto em vossa presença.
29  Voltai, pois, näo haja iniqüidade; tornai-vos, digo, que ainda a minha justiça aparecerá nisso.
30  Há porventura iniquidade na minha língua? Ou näo poderia o meu paladar distinguir coisas iníquas?


Capitulo 7
1  Porventura näo tem o homem guerra sobre a terra? E näo säo os seus dias como os dias do jornaleiro?
2  Como o servo que suspira pela sombra, e como o jornaleiro que espera pela sua paga,
3  Assim me deram por herança meses de vaidade; e noites de trabalho me prepararam.
4  Deitando-me a dormir, entäo digo: Quando me levantarei? Mas comprida é a noite, e farto-me de me revolver na cama até à alva.
5  A minha carne se tem vestido de vermes e de torröes de pó; a minha pele está gretada, e se fez abominável.
6  Os meus dias säo mais velozes do que a lançadeira do teceläo, e acabam-se, sem esperança.
7  Lembra-te de que a minha vida é como o vento; os meus olhos näo tornaräo a ver o bem.
8  Os olhos dos que agora me vêem näo me veräo mais; os teus olhos estaräo sobre mim, porém näo serei mais.
9  Assim como a nuvem se desfaz e passa, assim aquele que desce à sepultura nunca tornará a subir.
10  Nunca mais tornará à sua casa, nem o seu lugar jamais o conhecerá.
11  Por isso näo reprimirei a minha boca; falarei na angústia do meu espírito; queixar-me-ei na amargura da minha alma.
12  Sou eu porventura o mar, ou a baleia, para que me ponhas uma guarda?
13  Dizendo eu: Consolar-me-á a minha cama; meu leito aliviará a minha ánsia;
14  Entäo me espantas com sonhos, e com visöes me assombras;
15  Assim a minha alma escolheria antes a estrangulaçäo; e antes a morte do que a vida.
16  A minha vida abomino, pois näo viveria para sempre; retira-te de mim; pois vaidade säo os meus dias.
17  Que é o homem, para que tanto o engrandeças, e ponhas nele o teu coraçäo,
18  E cada manhä o visites, e cada momento o proves?
19  Até quando näo apartarás de mim, nem me largarás, até que engula a minha saliva?
20  Se pequei, que te farei, ó Guarda dos homens? Por que fizeste de mim um alvo para ti, para que a mim mesmo me seja pesado?
21  E por que näo perdoas a minha transgressäo, e näo tiras a minha iniqüidade? Porque agora me deitarei no pó, e de madrugada me buscarás, e näo existirei mais.


Capitulo 8
1  Entäo respondendo Bildade o suíta, disse:
2  Até quando falarás tais coisas, e as palavras da tua boca seräo como um vento impetuoso?
3  Porventura perverteria Deus o direito? E perverteria o Todo-Poderoso a justiça?
4  Se teus filhos pecaram contra ele, também ele os lançou na mäo da sua transgressäo.
5  Mas, se tu de madrugada buscares a Deus, e ao Todo-Poderoso pedires misericórdia;
6  Se fores puro e reto, certamente logo despertará por ti, e restaurará a morada da tua justiça.
7  O teu princípio, na verdade, terá sido pequeno, porém o teu último estado crescerá em extremo.
8  Pois, eu te peço, pergunta agora às geraçöes passadas; e prepara-te para a inquiriçäo de seus pais.
9  Porque nós somos de ontem, e nada sabemos; porquanto nossos dias sobre a terra säo como a sombra.
10  Porventura näo te ensinaräo eles, e näo te falaräo, e do seu coraçäo näo tiraräo palavras?
11  Porventura cresce o junco sem lodo? Ou cresce a espadana sem água?
12  Estando ainda no seu verdor, ainda que näo cortada, todavia antes de qualquer outra erva se seca.
13  Assim säo as veredas de todos quantos se esquecem de Deus; e a esperança do hipócrita perecerá.
14  Cuja esperança fica frustrada; e a sua confiança será como a teia de aranha.
15  Encostar-se-á à sua casa, mas ela näo subsistirá; apegar-se-á a ela, mas näo ficará em pé.
16  Ele é viçoso perante o sol, e os seus renovos saem sobre o seu jardim;
17  As suas raízes se entrelaçam, junto à fonte; para o pedregal atenta.
18  Se Deus o consumir do seu lugar, negá-lo-á este, dizendo: Nunca te vi!
19  Eis que este é a alegria do seu caminho, e outros brotaräo do pó.
20  Eis que Deus näo rejeitará ao reto; nem toma pela mäo aos malfeitores;
21  Até que de riso te encha a boca, e os teus lábios de júbilo.
22  Os que te odeiam se vestiräo de confusäo, e a tenda dos ímpios näo existirá mais.


Capitulo 9
1  Entäo Jó respondeu, dizendo:
2  Na verdade sei que assim é; porque, como se justificaria o homem para com Deus?
3  Se quiser contender com ele, nem a uma de mil coisas lhe poderá responder.
4  Ele é sábio de coraçäo, e forte em poder; quem se endureceu contra ele, e teve paz?
5  Ele é o que remove os montes, sem que o saibam, e o que os transtorna no seu furor.
6  O que sacode a terra do seu lugar, e as suas colunas estremecem.
7  O que fala ao sol, e ele näo nasce, e sela as estrelas.
8  O que sozinho estende os céus, e anda sobre os altos do mar.
9  O que fez a Ursa, o Orion, e o Sete-estrelo, e as recámaras do sul.
10  O que faz coisas grandes e inescrutáveis; e maravilhas sem número.
11  Eis que ele passa por diante de mim, e näo o vejo; e torna a passar perante mim, e näo o sinto.
12  Eis que arrebata a presa; quem lha fará restituir? Quem lhe dirá: Que é o que fazes?
13  Deus näo revogará a sua ira; debaixo dele se encurvam os auxiliadores soberbos.
14  Quanto menos lhe responderia eu, ou escolheria diante dele as minhas palavras!
15  Porque, ainda que eu fosse justo, näo lhe responderia; antes ao meu Juiz pediria misericórdia.
16  Ainda que chamasse, e ele me respondesse, nem por isso creria que desse ouvidos à minha voz.
17  Porque me quebranta com uma tempestade, e multiplica as minhas chagas sem causa.
18  Näo me permite respirar, antes me farta de amarguras.
19  Quanto às forças, eis que ele é o forte; e, quanto ao juízo, quem me citará com ele?
20  Se eu me justificar, a minha boca me condenará; se for perfeito, entäo ela me declarará perverso.
21  Se for perfeito, näo estimo a minha alma; desprezo a minha vida.
22  A coisa é esta; por isso eu digo que ele consome ao perfeito e ao ímpio.
23  Quando o açoite mata de repente, entäo ele zomba da prova dos inocentes.
24  A terra é entregue nas mäos do ímpio; ele cobre o rosto dos juízes; se näo é ele, quem é, logo?
25  E os meus dias säo mais velozes do que um correio; fugiram, e näo viram o bem.
26  Passam como navios veleiros; como águia que se lança à comida.
27  Se eu disser: Eu me esquecerei da minha queixa, e mudarei o meu aspecto e tomarei alento,
28  Receio todas as minhas dores, porque bem sei que näo me terás por inocente.
29  E, sendo eu ímpio, por que trabalharei em väo?
30  Ainda que me lave com água de neve, e purifique as minhas mäos com sabäo,
31  Ainda me submergirás no fosso, e as minhas próprias vestes me abominaräo.
32  Porque ele näo é homem, como eu, a quem eu responda, vindo juntamente a juízo.
33  Näo há entre nós árbitro que ponha a mäo sobre nós ambos.
34  Tire ele a sua vara de cima de mim, e näo me amedronte o seu terror.
35  Entäo falarei, e näo o temerei; porque näo sou assim em mim mesmo.


Capitulo 10
1  A minha alma tem tédio da minha vida; darei livre curso à minha queixa, falarei na amargura da minha alma.
2  Direi a Deus: Näo me condenes; faze-me saber por que contendes comigo.
3  Parece-te bem que me oprimas, que rejeites o trabalho das tuas mäos e resplandeças sobre o conselho dos ímpios?
4  Tens tu porventura olhos de carne? Vês tu como vê o homem?
5  Säo os teus dias como os dias do homem? Ou säo os teus anos como os anos de um homem,
6  Para te informares da minha iniqüidade, e averiguares o meu pecado?
7  Bem sabes tu que eu näo sou iníquo; todavia ninguém há que me livre da tua mäo.
8  As tuas mäos me fizeram e me formaram completamente; contudo me consomes.
9  Peço-te que te lembres de que como barro me formaste e me farás voltar ao pó.
10  Porventura näo me vazaste como leite, e como queijo näo me coalhaste?
11  De pele e carne me vestiste, e de ossos e nervos me teceste.
12  Vida e misericórdia me concedeste; e o teu cuidado guardou o meu espírito.
13  Porém estas coisas as ocultaste no teu coraçäo; bem sei eu que isto esteve contigo.
14  Se eu pecar, tu me observas; e da minha iniqüidade näo me escusarás.
15  Se for ímpio, ai de mim! E se for justo, näo levantarei a minha cabeça; farto estou da minha ignomínia; e vê qual é a minha afliçäo,
16  Porque se vai crescendo; tu me caças como a um leäo feroz; tornas a fazer maravilhas para comigo.
17  Tu renovas contra mim as tuas testemunhas, e multiplicas contra mim a tua ira; revezes e combate estäo comigo.
18  Por que, pois, me tiraste da madre? Ah! se entäo tivera expirado, e olho nenhum me visse!
19  Entäo eu teria sido como se nunca fora; e desde o ventre seria levado à sepultura!
20  Porventura näo säo poucos os meus dias? Cessa, pois, e deixa-me, para que por um pouco eu tome alento.
21  Antes que eu vá para o lugar de que näo voltarei, à terra da escuridäo e da sombra da morte;
22  Terra escuríssima, como a própria escuridäo, terra da sombra da morte e sem ordem alguma, e onde a luz é como a escuridäo.